quarta-feira, 23 de abril de 2014

O milagre de Ourique e o nascimento de Portugal – D. Afonso Henriques 1

Escudo do Rei de Portugal
Quando nos debruçamos sobre a história de Portugal logo somos assaltados por um interessante paradoxo: como pôde um país tão pequeno em extensão territorial realizar uma epopeia — navegações, descobrimentos, conquistas, feitos missionários — de tão grande monta?

A história do nascimento dessa nação traz um pouco de luz para a solução do intrigante problema.

Com efeito, Deus Nosso Senhor, tal como fez com o povo eleito do Antigo Testamento, escolheu Portugal para intervir na História, a seu modo preparando “um Império” por cujo meio seu nome seria “publicado entre as nações mais estranhas”.



Antecedentes


Os visigodos arianos, expulsos da França pela ação de Clóvis,(1) penetraram na Península Ibérica, ali encontrando os suevos, povo pagão instalado naquelas terras.

O longo trabalho da Igreja, aliado à influência de povos já convertidos, vai entretanto dobrando aos poucos a dura cerviz dos “bárbaros”. Por volta de 560, conforme narra o historiador luso João Ameal,

“o povo suevo se converte à verdadeira religião, graças a São Martinho de Dume. Em Braga se celebra (em 561) um concílio para festejar a conversão. Cria-se o rito bracarense — e a metrópole sueva torna-se, como então foi dito, a Roma das Espanhas”.(2)



Ainda algumas disputas com os arianos e, no III Concílio de Toledo em 589, os monarcas e bispos hereges acabam por abjurar a heresia.

São Martinho de Dume, arcebispo de Dume e de Braga
Entretanto, agiganta-se outro inimigo da Cristandade nascente. O império maometano assenhora-se do norte da África e fica à espreita da ocasião para invadir a Europa divida. Esta ocasião não tarda.

“Apesar dos benefícios resultantes da unificação cristã e da obra moralizadora e organizadora dos Concílios, apesar de uma cultura já brilhante, a sociedade visigoda não se sustenta”,(3) corroída que está por poderosas toxinas (restos do partido ariano, chefes locais e grupos disseminadores de insatisfação).

Em 710, brigas sucessórias entre os visigodos acabam por abrir as portas aos mouros, que acorrem em grande número. Sua marcha só é tolhida por Carlos Martel, já em território franco.

A presença moura logo se consolida. Forma-se no território ibérico um “xadrez movediço”, dadas as incessantes disputas entre os próprios muçulmanos, as conquistas e derrotas dos visigodos, e a resignação dos chamados mosárabes.(4)

Cerca de cinco séculos vão se passar num convívio, ora pacífico, ora sangrento, entre invasores e cristãos. Mas não sem que o desejo da reconquista impulsione os verdadeiros cavaleiros. Afonso VI de Leão, no século XI, desponta como líder da insurreição, disposto a responder à altura à insolência dos príncipes árabes.

A Igreja, entretanto, encontra-se em crise. Mas a ação da Providência não tarda. E os beneditinos de Cluny, com sua rede de mosteiros que vão se difundindo por toda a França, tornam-se o centro da reforma.

É a esse ramo beneditino que Afonso VI recorre, em um momento culminante na luta contra os mouros. E o abade Hugo, que naquela ocasião governava Cluny, não o decepciona. Intervindo junto a Filipe I da França, consegue reforços, pondo em marcha um valoroso grupo de cavaleiros franceses.

Vitorioso, D. Afonso VI retribui aos cavaleiros concedendo-lhes territórios e a mão de suas filhas. Uma delas – Da. Tereza – desposa D. Henrique de Borgonha, que recebe, além disso, o senhorio sobre uma região localizada entre os rios Minho e Tejo, no extremo oeste da Península. Em 1097, D. Henrique usa já o expressivo título de “Conde portucalense”.

Gravura de Cluny III, na Borgonha, França
Com esses casamentos D. Afonso VI consegue descentralizar o poderio militar de seu império, favorecendo a resistência a um inimigo que ataca inopinadamente em todas as frentes. Tal descentralização ocasionará, mais à frente, o desmembramento de seu império.

Morrendo D. Afonso VI, D. Henrique vê a oportunidade de emancipação de seu Condado. Vários fatores levam à formação do que João Ameal chama de “uma nacionalidade em potência”:

“Todos os fatores cujo esquemático panorama acaba de ser enumerado — hipotéticas diferenciações geográficas, étnicas e linguísticas, singularidade de um destino marcadamente oceânico, intenso comércio marítimo com as populações nórdicas, superiores desígnios pontifícios para a arrumação da Península, ascendente benéfico de Cluny, justificáveis ambições pessoais de D. Henrique, antiga e persistente aspiração dos senhores de entre-Douro-e-Minho à conquista da autonomia — se conjugam para apresentar aqui, nos inícios do séc. XII, o que será justo chamar: uma nacionalidade em potência”.(5)

D. Henrique — cujo nome “é o primeiro a gravar-se nos anais da conquista da independência portuguesa” — morre sem conseguir realizar suas aspirações.

Continua no próximo post

(Autor: Guilherme Félix de Sousa Martins, CATOLICISMO, fevereiro 2013.


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