terça-feira, 2 de abril de 2024

Balduíno do Machado, conde truculento e justiceiro ‒ 1

Luis Dufaur
Escritor, jornalista,
conferencista de
política internacional,
sócio do IPCO,
webmaster de
diversos blogs







Balduíno à la Hache, ou Balduíno do Machado, era assim denominado porque tinha o hábito de servir-se, em vez da espada, de um machado pesando quinze quilos.

Era um severo justiceiro esse conde. A reforma de quase todos os abusos e a punição de todos os crimes datam de seus dias. Relatarei dois exemplos da maneira como fazia justiça.

Três mercadores de jóias e perfumes, que pelas roupas podiam ser reconhecidos como orientais, dirigiam-se, no ano de 1112, a uma feira que devia ter lugar em Thourout, e pousaram no Hotel da Cruz de Ouro.

Sucedeu que no mesmo hotel estava hospedado, com alguns de seus amigos, o Sr. Henry de Calloo, um dos mais ricos e nobres senhores do País de Gales, o qual precisamente acabara de perder no jogo somas enormes.

Por mais rico que fosse, não sabia como pagá-las. Vendo os mercadores e suas esplêndidas mercadorias, o demônio o tentou, e veio-lhe a idéia fatal de apoderar-se de suas jóias e dinheiro.

Antes de partir, os mercadores enviaram na frente servidores com o encargo de lhes prepararem os alojamentos. Pensando que não tinham nada a temer, deixaram Bruges duas horas após seus mensageiros.

Henry de Calloo e seus amigos deixaram que eles tomassem a dianteira. Então, alcançando-os no momento em que atravessavam um bosque, caíram sobre eles e os assassinaram. Tendo conduzido os cadáveres à parte mais densa do bosque, apoderaram-se de todo o ouro e jóias que os infelizes mercadores tinham consigo.

Entretanto, os servidores, depois de terem tudo preparado para a chegada de seus senhores, vieram aguardá-los na porta da cidade. Como o tempo corria e os mercadores não chegavam, começaram a preocupar-se, e viram então chegar Henry de Calloo com seus companheiros.


Saíram imediatamente ao seu encontro, para lhes perguntar se, posto que dispunham de tão boas montarias, não tinham encontrado e ultrapassado seus senhores.

Mas os flamengos responderam, com um ar perfeitamente natural, que não compreendiam essa pergunta, visto que os mercadores, tendo partido de Bruges bem na frente deles, já deveriam ter chegado a Thourout àquela hora.

Essa resposta redobrou os temores dos criados, que a partir daí se separaram. Três ficaram na porta da cidade e três voltaram pelo caminho de Bruges. Chegados ao bosque, viram a terra manchada de sangue. Seguiram o rastro, e após alguns passos dentro do bosque encontraram os três cadáveres.

Então, sem perder um instante, sem mesmo fazê-los transportar, foram correndo a Wynendaele, onde estava o conde, para denunciar o crime e pedir-lhe vingança.

Balduíno ouviu-os com a atenção e a gravidade que exigia semelhante denúncia. Quando terminaram o relato e o conde lhes tinha feito detalhar todas as circunstâncias, perguntou-lhes se não tinham alguma suspeita sobre quais seriam os autores do assassinato. Os pobres servidores entreolharam-se, tremendo e sem ousar responder.

Mas interrogados novamente pelo conde de maneira mais premente, responderam que as únicas pessoas sobre as quais podiam recair suas suspeitas, se lhes era dado ousar suspeitar de poderosos senhores, eram Henry de Calloo e seus dois companheiros.

A acusação era tanto mais grave quanto atingia personagens dos mais elevados. Balduíno então ordenou que os denunciantes fossem mantidos sob vigilância num castelo, enquanto ia sozinho a Thourout.

Com efeito, mandou selar seu cavalo, e sem dizer a ninguém para onde ia nem permitir que ninguém o acompanhasse, partiu a galope. De resto, como era habitual vê-lo fazer essas expedições solitárias, e contanto que levasse seu machado, ninguém se preocupava. Seus criados viram-no afastar-se ao longe, dizendo entre si:

— Bem, amanhã ouviremos contar alguma coisa de novo.

Atravessando a grande praça de Thourout, Balduíno notou um grande ajuntamento de povo, que começava a se dissolver. É que naquele mesmo lugar acabavam de ser executados dois falsários de moedas, de sorte que os caldeirões cheios de azeite fervente, onde haviam sido jogados, estavam ainda lá.

Balduíno, ao passar, ordenou que se reacendesse o fogo sob os caldeirões, a fim de que o azeite se mantivesse num grau de ebulição conveniente, e continuou seu caminho.

Chegando ao albergue onde estavam hospedados Henry de Calloo e seus dois companheiros, fez-se reconhecer pelo hospedeiro, e como eles haviam saído, subiu com este ao quarto.

Seus cofres estavam no chão e fechados a chave. O conde mandou romper as fechaduras, e aí encontraram as jóias dos mercadores.

Logo Balduíno fez prender Henry de Calloo e seus dois cúmplices. Tendo-os feito conduzir à praça pública, onde os aguardava, interrogou-os com tal severidade que, graças às provas que o conde tinha já em mãos, não ousaram sequer por um instante negar seu crime.

Assim que a confissão foi feita, e sem dar-lhes tempo de tomar nenhuma providência, o conde fê-los agarrar, vestidos e armados como estavam, e os fez jogar nos caldeirões, à vista do povo, que teve assim dois espetáculos no mesmo dia.

Um outro dia, Balduíno acabava de ter a assembléia de seus Estados em Yprès. Como era uma grande cerimônia, e para dar-lhe ainda mais brilho, havia naquele dia armado seis cavaleiros, todos pertencentes às mais nobres famílias das Flandres.

Segundo o juramento habitual, estes haviam prometido dar proteção aos fracos, às viúvas e aos órfãos, mediante o que Balduíno lhes dera a accolade com suas próprias mãos.

Concluída a cerimônia, Balduíno retornou a seu castelo, acompanhado dos novos cavaleiros que armara. Quando atravessavam a floresta dos seus domínios, notou os preparativos de uma festa.





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